quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Uma leitura de um trecho de Tabacaria, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), Tabacaria.

Tabacaria é O POEMA. Fernando Pessoa é O POETA. 
[1 minuto de silêncio em homenagem a Fernando Pessoa!] rs

Sozinha no meu quarto, de vez em quando gosto de ler Tabacaria. Em voz alta, claro. Este exercício, ao mesmo tempo, é uma leitura de tudo o que sou e tudo o que não sou; de mim e de todas as pessoas; de mim, somente, e de todos, menos de mim. É incrível.

Este trecho, especialmente, faz pensar no amor (opaco, alheio e enorme). Apaixonar-se normalmente é pretender qualquer coisa de o mundo inteiro de uma só vez. Encontro o cara ideal, ele é o máximo, temos inúmeras afinidades, não podia ser tão perfeito! E então já era! A síndrome da pretensão de conquistar todo o mundo antes de nos levantar da cama ataca outra vez.

Mas acordamos e ele é opaco. Ter afinidades não significa que ele é uma cópia de mim. [O que, no meu caso, é muito bom, pois eu mesma tenho dificuldade de me aturar. kkk] Se ele não é uma cópia de mim, então eu não tenho como saber tudo, em absoluto, sobre ele. De vez em quando tenho que ter  surpresas. Algumas destas surpresas podem até me assustar um pouco, mas muitas surpreendem positivamente.

Levantamo-nos e ele é alheio. Enquanto, juntos, formamos uma unidade, somos dois indivíduos, cada um com a sua própria filosofia de vida. Aceitar que ele é alheio pode ser uma tarefa muito difícil. O importante é não esquecer que esta tarefa é difícil, porém necessária. Nem tudo o que o outro faz é totalmente agradável. Há atitudes realmente muito desagradáveis. Claro, ele é outro, não eu mesma.

Se as afinidades são tão numerosas, então os poucos pontos divergentes não podem ser o fim de tudo. Esta é a questão. Muitos casais destroem lindas histórias por causa de pequenas coisas, dissabores simples, de fácil solução, por causa da pretensão de haver, de repente, conquistado o mundo inteiro. Mas conquistar um relacionamento não é conquistar um pacote fechado de alegrias e momentos perfeitos. De vez em quando um atrito acontece. É assim que tem que ser, pois se não for assim, então talvez alguém ou os dois sejam meio doidinhos. rsrs. No mundo real, as pessoas têm problemas.

Saímos de casa e ele é a terra inteira, mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. Ah, a enormidade do amor! Relacionamentos envolvem um universo fabuloso chamado ser humano. Como é grandioso e complexo este ser! Por mais experientes que sejamos, há tanto que aprender sobre a humanidade. E o pior é que cada ser humano é individual. Assim, saber como lidar com várias pessoas não garante que vou saber o que fazer para agradar aquele, especificamente.

Cometer erros tentando agradar acontece muito mais do que gostaríamos. Fazer um estrago maior ainda, tentando consertar o erro, eita, como acontece! Aí ferrou! Parece que tudo está perdido e a pretensão de ter conquistado o mundo inteiro vira desolação.

Escravos caríacos das estrelas, deixemos de tentar viver na ilusão de que é possível conquistar a totalidade de alguém instantaneamente! Ter alegrias, na maior parte do tempo, não afasta os maus momentos. Amar é conviver tanto com as alegrias quanto com os aborrecimentos. Se há mais alegrias que aborrecimentos, amemos! 

Alguém muito especial sempre me diz: façamos disso um fortalecimento. É isso aí! Amar é muito bom! Quando encontramos alguém que merece, então? Maravilha! Que os problemas sejam poucos e sirvam para fortalecer o processo de conhecimento mútuo. Amemos!

Abraços a todos,
Késia Mota

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