quarta-feira, 20 de abril de 2011

Écloga, Epodo e Metamorfose: comparações sintático-semânticas entre Virgílio, Horácio e Ovídio


Artigo publicado no CCHLA em Debate, evento local da UFPB, sob orientação do Prof. Dr.Juvino Alves Maia Junior.

RESUMO: Este artigo é resultado dos estudos relacionados à disciplina Língua Latina II, no período letivo de 2010.1. O seu objetivo é apresentar informações sobre a lírica dos autores clássicos latinos a partir de uma comparação entre as suas obras. O corpus selecionado para a análise é constituído de três poemas: a Écloga (ou Bucólica) IV, de Virgílio, o Epodon XVI, de Horácio, e os versos 89 a 150 do Livro I das Metamorfoses, de Ovídio, todos estudados sob a orientação do Prof. Dr. Juvino Alves Maia Junior. A tradução instrumental de cada texto foi realizada, mas não apresentada na íntegra. Eventualmente, apenas os seguintes fragmentos, necessários para a compreensão dos comentários, foram citados: versos 34 a 36 da Écloga IV de Virgílio; versos 57 a 60 do Epodo XVI de Horácio; e versos 132 a 134 do livro I das Metamorfoses de Ovídio.  Algumas semelhanças e diferenças entre os três autores são o objeto da análise. A intensão é apresentar uma noção da riqueza estilística dos textos tomados como corpus para motivar o leitor ao conhecimento destas e de outras obras da literatura clássica, como também ao aprendizado da língua latina, no propósito de adquirir habilidade para o contato direto com os originais.
PALAVRAS-CHAVE: latim, lírica, Virgílio, Horácio, Ovídio.


INTRODUÇÃO:

A literatura clássica latina é uma excelente e inesgotável fonte de conhecimento. Estudá-la é caminhar por uma via de aprendizado constante. Virgílio, Horácio e Ovídio representam o que há de melhor na produção da arte literária. Conhecê-los, ainda que através de apenas alguns fragmentos das suas obras, é uma atividade que sempre trará ao leitor a sensação de prazer na contemplação do belo.
No gênero lírico, quando bem produzido, é possível perceber o cuidado do autor em utilizar a linguagem de forma sábia, moldando as expressões linguísticas como trabalho de verdadeiro artesão. Nenhuma escolha é feita aleatoriamente, nenhuma forma verbal é sem sentido, nenhuma estrutura sintática é obra do acaso: tudo tem significado e ordem, obedecendo fielmente a uma métrica própria, que confere musicalidade aos poemas, com muita delicadeza.
A tarefa de analisar estas obras deve igualmente ser feita com cuidado e muita atenção. O ideal é que tenha sempre os textos originais como ponto de partida, pois mesmo as melhores traduções não poderiam dar conta da riqueza da língua original dos excelentes autores clássicos. Por isso é tão importante estudar a língua para conseguir realizar este nobre feito.
Assim, a elaboração do presente artigo é realizada a partir da atividade de tradução operacional dos textos, tarefa que foi realizada em sala de aula, como cumprimento do programa da disciplina Língua Latina II (Disciplina oferecida ao Curso de Letras - habilitação em Letras Clássicas - do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba - DLCV/UFPB). Tendo natureza propedêutica, espera-se que a presente análise exerça a função de motivar os leitores ao conhecimento das obras da literatura clássica e ao estudo da língua latina, além de oferecer mais uma leitura dos textos tomados como corpus.
Os textos de Virgílio, Écloga IV, de Horácio, Epodo XVI, e de Ovídio, Metamorfose I, podem ser comparados por apresentarem temáticas semelhantes e, inclusive, estruturas linguísticas aproximadas, embora cada autor apresente o seu próprio estilo a partir de enfoques distintos.

1. De Virgílio:

alter erit tum Tiphys, et altera quae vehat Argo
delectos Heroas; erunt etiam altera bella,
atque iterum ad Troiam magnus mittetur Achilles.

Nos versos acima, 34 a 36 da Écloga IV, Virgílio, com tom de otimismo, apresenta a expectativa de que um novo tempo chegará e será um tempo que trará de volta os grandes heróis e conquistas através de vitoriosos desempenhos em guerras. Organizando a sintaxe direta desse trecho, tem-se:

"tum erit alter Tiphys et altera Argo quae vehat delectos heroas erunt etiam altera bella atque magnus Achilles iterum mittetur ad Troiam".

Tradução: Então haverá outro Tífis e outra Argo levará os heróis escolhidos. Haverá também outras guerras e até um grande Aquiles será outra vez levado a Tróia.

É possível observar a presença de três verbos no trecho: erit, vehat e erunt. O primeiro, erit, conjugado na terceira pessoa do singular do futuro do indicativo infectum; o segundo, vehat, na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo ativo infectum – o que, na poesia de Virgílio tem o sentido de futuro, embora usado, por questão de estilo, no presente; o terceiro verbo, erunt, é conjugado na terceira pessoa do plural do futuro do indicativo infectum.
Os três verbos no futuro dão ao texto o enfoque pretendido pelo autor, que apresenta a ideia da chegada de uma nova era, melhor do que aquela em que se vivia. O futuro aponta para o aperfeiçoamento, para um tempo de prosperidade.


2. De Horácio:

Horácio, que também apresenta em seu texto, Epodo XVI, a ideia da possibilidade de uma vida melhor, não o faz com o mesmo tom otimista de Virgílio. Enquanto este afirma que um tempo melhor virá e favorecerá a todos, Horácio acredita que os tempos vão piorar, mas que existe um lugar protegido para onde se deve fugir.

non huc Argoo contendit remige pinus
neque inpudica Colchis intulit pedem,
non huc Sidonii torserunt cornua nautae,
laboriosa nec cohors Ulixei.

Na sintaxe direta, o trecho correspondente aos versos acima, 57 a 60, é o seguinte:

huc pinus non contendit remige Argoo, nec impudica Colchis intulit pedem non huc nautae Sidonii torserunt cornua nec cohors laboriosa Ulixei".

Tradução: Lá o pinheiro (remo ou navio) não avançou com o remador Argonauta. Nem a impudica Cólquida (Medéia) pôs ali o pé; nem os nautas Sidônios navegaram, nem a laboriosa tropa de Ulisses.

Igualmente, foram utilizados três verbos, contendit, intulit e torserunt, mas não no futuro, pois o texto de Horácio não anuncia um futuro melhor, mas fala de um lugar onde os problemas não chegaram. Assim, os verbos estão no perfectum, pois no passado aquela outra terra ficou isenta dos males que tornaram Roma um lugar problemático, de onde se aconselhava fugir.

NOTA: No latim, o Perfectum é o aspecto verbal que indica ato acabado, em oposição ao Infectum, que indica ato contínuo.

3. De Ovídio:

Vela dabat ventis (nec adhuc bene noverat illos)navita;
quaeque prius steterant in montibus altis,
fluctibus ignotis insultavere carinae,

Ovídio, no livro I das Metarmoforses, versos 132 a 134, acima, que possui a seguinte sintaxe direta,

"nauita dabant uela uentis nec adhuc nouerat bene illos quaeque prius steterant in altis montibus carinae insultauere fluctibus ignotis"
Tradução: Os navegadores davam velas aos ventos - nem bem os conhecera - que por muito tempo estiveram de pé nos altos montes; por ondas desconhecidas saltavam os navios.


também utilizou elementos próprios da guerra - os navios - mas sem ideia otimista, nem de um tempo futuro, nem de um lugar seguro.
No trecho destacado, os verbos (dabant, nouerat e steterant) aparecem no imperfeito, o que ressalta a ideia de que o tempo da idade do bronze trazia aspectos negativos de forma contínua, não pontual ou acabada.
Se em Virgílio surgiria uma nova Argo para conduzir os novos heróis, em Horácio os navios da terra dos bem-aventurados não avançaram com o remador - não haveria os argonautas, nem Medeia; nem os Fenícios iriam navegar, e portanto não haveria Ulisses com suas façanhas -, em Ovídio, os novos tempos, decadentes em relação aos anteriores, tinham navios que navegavam desordenadamente, em mares desconhecidos.

NOTA: No latim, o modo imperfeito é do Infectum, aspecto que denota ato contínuo.

4. Conclusão:

Do exposto, foi possível verificar que cada forma verbal presente nos textos analisados exerce uma função específica, produzindo sentido de acordo com uma determinada linha de pensamento. Esta habilidade para o uso adequado das expressões no texto é um traço que marca as obras dos grandes autores. O conhecimento erudito da língua em que produz literatura é evidentemente uma prerrogativa dos autores das obras clássicas.
A intertextualidade evidente nos poemas analisados indica o diálogo existente entre estes mestres, revelando a sabedoria de dialogar sem plagiar. Certamente, os textos destes autores são modelos a serem seguidos pelos aprendizes em todas as gerações.
De fato, conhecer as obras clássicas procurando ter acesso aos textos originais é uma tarefa que só pode ser realizada se houver conhecimento da língua destes textos – neste caso, o latim. O aprendizado da língua latina revela-se uma atividade de que resultam enormes benefícios tanto para o desenvolvimento das habilidades linguísticas quanto literárias.
Há um relacionamento muito íntimo entre o saber linguístico e o literário. A literatura não está dissociada da língua, absolutamente. Pelo que ficou evidenciado nesta análise, Virgílio, Horácio e Ovídio souberam utilizar o conhecimento linguístico com grande proveito para a produção de literatura. Igualmente, os estudiosos que buscarem empreender uma análise séria das produções literárias, seja qual for a época ou a língua de origem, terão bom proveito se puderem lançar mão dos conhecimentos linguísticos para realizar esta atividade.

REFERÊNCIAS:

HORATII. Epodon Q. Horatii Flacci Liber. Disponível no site:
http://www.thelatinlibrary.com/horace/ep.shtml, às 15h43 de 22/09/2010.

MAIA JUNIOR, Juvino Alves. Latim: teoria e prática nos cursos universitários. João
Pessoa: Idéia/Editora Universitária, 2007. 2ed.

OVID. Metamorphoses. Hugo Magnus. Gotha (Germany). Friedr. Andr. Perthes, 1892.
Disponível no site: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3
Atext%3A1999.02.0029%3Abook%3D1%3Acard%3D89, às 15h43 de 22/09/2010.

SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário Latino-Português. Belo Horizonte/Rio de
Janeiro: Livraria Garnier, 2006.

VERGIL. Bucolics, Aeneid, and Georgics Of Vergil. J. B. Greenough. Boston. Ginn & Co.,1900. Disponível no site: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0056%3Apoem%3D4, às 15h43 de 22/09/2010.

Nenhum comentário: