sábado, 8 de outubro de 2011

A filha

Por Késia Mota
Papai queria ter uma menina, não sei por quê. Mamãe engravidou terceira vez. Era uma mulher muito bondosa, esposa de um homem extremamente difícil. Sempre a via no quarto, chorando. Desejava o bem estar da família, a fidelidade conjugal e, mais que tudo, uma menina para salvar o casamento. Desejava tão intensamente! Como era determinada, a minha mãe!

Dia do nascimento, a surpresa. Mamãe desabou. "Por quê?" Não teria tido suficiente determinação? Não teria sido forte o bastante? Terceiro e último filho, mais um indesejado menino. Foi rejeitada por papai durante meses, quando só podia contar conosco, embora fôssemos crianças.

Adultos, os dois mais velhos éramos chamados de normais, por ele. O mais novo adquiriu outra identidade, nome e corpo de mulher. Era o mais alto de nós três. Se eu tenho um metro e oitenta e quatro, ele chegava quase aos dois metros de altura, em cima do salto. Chamava a atenção de todo mundo aquela mulherona loira, magra, de mãos grandes, pés enormes e pomo de adão. Cabeleleira, decoradora, juro que sempre foi uma pessoa recatada, tinha um namorado só e era fiel, comportada e muito bem realizada profissionalmente. Batalhadora, a minha irmã. Realizou o sonho paterno.

Imaginava que seria o orgulho do pai, a filha que ele tanto desejara. Mas o homem vivia repetindo: "Tive três filhos e perdi um deles!" e nunca lhe dirige a palavra.


Clube do Conto da Paraíba, no dia 22/11/2008
Tema: travesti

Um comentário:

Késia Mota disse...

Já acessei e adicionei, Tainã.

Seja sempre bem-vinda!

Késia Mota